01/04/2013
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Líder do PT critica modelo de Alves para resgatar Parlamento
José Nobre Guimarães, 53 anos, ficou conhecido nacionalmente quando, no auge do escândalo do mensalão, um assessor de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Ceará foi flagrado com dólares na cueca em São Paulo. O episódio entrou para o folclore da política nacional e agravou a situação do PT, que, na época, era presidido por seu irmão José Genoino.
Ao contrário de Genoino, que viu sua votação diminuir em 2006, só conseguiu eleger-se suplente em 2010 e foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mensalão, a participação como personagem da maior crise da era Luiz Inácio Lula da Silva fez Guimarães seguir carreira ascendente na política. Foi o deputado mais votado do PT do Ceará em 2006 e o segundo mais votado do Estado em 2010.
Mas foi no governo da presidente Dilma Rousseff que Guimarães consolidou sua carreira. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retirou-o do polo passivo da ação promovida pelo Ministério Público pela prisão do seu assessor. No campo político, chegou a acumular a vice-presidência do PT com a vice-liderança do governo e da bancada na Câmara dos Deputados, até ser eleito líder neste ano.
Hoje, é o retrato mais bem acabado do PT atual: pragmático ao extremo. Característica que o faz ser constantemente acionado nas principais missões do Palácio do Planalto no Congresso Nacional e no PT. É, por exemplo, o presidente da comissão especial da Medida Provisória (MP) dos Portos. Por outro lado, esse perfil faz com que ele deixe transparecer tudo o que mais incomoda os aliados na composição do governo: o senso de que governo e PT devem ser hegemônicos.
O pacto deveria ser discutido a partir do interesse da União com o município e o Estado deveria ser o mediador"
Guimarães, como se vê nesta entrevista, contesta a participação preponderante dos governadores na discussão do pacto federativo; critica a forma como o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), quer resgatar a autonomia do Legislativo; acha que o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), deve ficar na base; e que o presidente do PT, Rui Falcão, do seu grupo interno na sigla, deve ser reeleito por aclamação, sem adversários. Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Valor.
Valor: O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, tem proposto temas que tentam fortalecer o Legislativo em face ao Executivo, como o Orçamento impositivo e a discussão do pacto federativo com governadores. Qual sua avaliação?
José Guimarães: O pacto federativo não necessariamente é aquele que os governadores querem. Não é porque o governador vem aqui e diz que quer isso ou aquilo que vamos seguir o que ele quer. A base do debate é o que a presidente mandou para cá. Fica todo mundo defendendo pacto federativo apenas para se fortalecer. Os Estados não se sobrepõem a União. Dá para discutir com governadores sem discutir com os municípios? Até acho que os Estados são meio que uma ficção. Mero repassadores. Quem trata da vida do cidadão é o município. O pacto deveria ser discutido a partir do interesse da União com o município e o Estado deveria entrar como mediador, não como controlador.
Valor: Mas a União já não é muito forte?
Guimarães: Não tem país que consiga exercer a sua condição de potência econômica sem exercer o centralismo para desenvolver o projeto de nação. Temos que ter projeto de nação, não de Estado A ou B.
Valor: O senhor achou ruim então a reunião dos governadores para discutir o pacto federativo no Congresso?
Guimarães: Foi um ato político. A intenção foi boa, mas teve impacto político com repercussão contra o governo. A sinalização dada é de que foi um ato contra o governo. A leitura foi essa.
Valor: Com Eduardo Campos no comando.
Guimarães: Foi a grande estrela. Por isso que, quando se trata de questões da federação, o critério não pode ser a disputa político-eleitoral. Quem quiser ser candidato vai ser, mas para que essa pressa toda? O ambiente fica contaminado.
Valor: O que o senhor achou da emenda constitucional defendida por Campos na reunião (que prevê que todo projeto aprovado que implique despesas aos Estados deve ter a previsão de receita)?
Guimarães: Essa emenda não deve nem tramitar.
Valor: Por qual motivo?
Guimarães: Não é o melhor caminho. Campos tem que ser visto como aliado, mas tudo tem limite. Nós consolidamos esse projeto nacional com o PSB e o PSB não pode fugir disso, não pode esquecer o passado e fazer incursão pelos setores conservadores.
Valor: Acha que Campos será candidato?
Guimarães: Acho que ele vai terminar se compondo com a presidente Dilma. Prefiro o caminho da paciência. O que tem que ter é sinceridade e lealdade, não pode é o tempo todo estar dentro [da base] sem estar.
Valor: O governador aposta em um discurso sobre falhas na economia e na gestão.
Guimarães: Reclamam que o aeroportos estão lotados mas é porque pobres estão tendo renda para andar de avião. Não acho ruim filas nos aeroportos. Elas são sinal disso. Gritaria de filas no porto de Santos. Sabe por que? Porque tivemos a maior safra agrícola dos últimos anos.
Valor: Mas o governo não deveria saber que poderia chegar a esse ponto e planejar?
Guimarães: O Brasil tem tantas demandas reprimidas que a cada dia aparece um novo desafio. É trocar o pneu com o carro andando. Só vale a pena crescer se for para distribuir renda.
Valor: E as outras propostas de Alves, como Orçamento impositivo?
Guimarães: Orçamento impositivo não tem nada a ver com resgatar a autonomia e independência do Legislativo. Você faz isso restabelecendo as prerrogativas do Congresso. Não podemos ser uma paróquia com cada um cuidando do seu Estado e dos seus municípios. Por isso que muitas vezes o país está indo em uma direção e o Congresso em outra. O que vai nos credenciar é capacidade para discutir grandes questões do país. Não vejo debate aqui sobre economia, por exemplo. E aí, vamos servir para o que aqui dentro? Daí vai acontecer de novo o que aconteceu ontem: o colégio de líderes reunido por três horas para nada.
Valor: Para discutir o futuro do pastor Marco Feliciano (PSC-SP).
Guimarães: Imagina isso. Passamos três horas discutindo isso. Você acha razoável? E no fim não teve acordo nem para sair com uma manifestação pública. Isso é que desconstitui a imagem do Congresso. Acho até que podemos discutir Orçamento impositivo, mas para áreas estratégicas. Pessoalmente, prefiro a forma mais republicana, de ter um piso de liberações de emendas, como hoje.
Valor: Mas não é o fato de ser como é hoje, com o governo liberando quanto e quando quiser, que torna a relação antirrepublicana?
Guimarães: Isso não é obra do PT, nem de Lula, nem de Dilma. Para a Dilma até é um assunto indigesto. Esse presidencialismo que atribuiu essa relação com o Congresso vem de décadas. Esse predicado não é nosso.
Valor: Mas poderia ser reformado por vocês.
Guimarães: Podemos avançar nisso.
Valor: Isso não é só mais um fator de domínio do Congresso pelo governo?
Guimarães: O que interessa ao governo em grande parte interessa ao Congresso. Existe uma coisa dada pelo voto popular. Foi eleito um governo, um programa e uma coalizão. Então o fato de ter maioria que vota com o governo não significa que o Congresso não tem autonomia. O que o Congresso tem é identidade com a maioria que saiu das urnas e elegeu o governo. Essa sintonia tem que ser permanente e perene.
Valor: O Congresso era mais satisfeito com Lula.
Guimarães: Há diferenças de estilo entre Lula e Dilma, mas é o mesmo projeto, partido, identidade. Lula e Dilma, Dilma e Lula são a mesma coisa.
Valor: Agora estão mais parecidos, mas antes não era.
Guimarães: No começo, olha o desafio da Dilma: suceder o Lula, um cara com 80% de aprovação. Parecia inatingível. Hoje temos duas grandes imagens consolidadas. Esse foi o maior feito do PT. São estilos diferentes de um mesmo corpo e uma mesma cabeça, que tem um projeto de nação. O PT teve um papel estratégico, soube ter paciência. Não foi fácil em um primeiro momento uma pessoa que nunca exerceu um mandato assumir o governo pós-Lula. Esse permanente diálogo foi o Rui [Falcão, presidente do PT] que construiu. Fizemos ação para estreitar laços, para o governo discutir mais com o PT. O Rui Falcão jogou um papel central nessa aproximação, nesse grude que existe hoje entre Lula, Dilma, o PT e a base. Por isso sou defensor intransigente da reeleição dele.
Valor: O PT não está hoje muito parecido?
Guimarães: Eu nem sei porque essas correntes estão separadas. O velho formato não serve mais para a atualidade. As correntes pensam praticamente a mesma coisa sobre temas que dizem respeito ao PT, como política de alianças, reformas, visão do julgamento da Ação Penal 470. Mas às vezes as pessoas querem manter aquilo que eu chamo de "patriotismo de tendências". Isso é um mal do PT. As pessoas devem se agrupar por identidade de ideias e não a ferro e fogo pelas correntes que às vezes são um amontoado de gente que não produz política nenhuma para o partido. O que justifica não reeleger o Rui por unanimidade agora? O PT é um partido plural mas não há porque criar divergência onde não existe. O acirramento tem que ser na defesa do projeto e na reeleição da Dilma, que é o que ancora a nossa ação aqui na bancada.
Valor: O PT não ficou mais pragmático do que programático?
Guimarães: Não deixamos de ser programáticos. Tem que ser transformador nas políticas que seu mandatário maior, a presidenta, exerce.
Valor: Não falta autocrítica ao PT?
Guimarães: Muitas vezes falta humildade da nossa parte. A ideia da autossuficiência não é certa.
Valor: No mensalão essa autocrítica não apareceu. O partido olhou mais para fora do que para dentro.
Guimarães: O PT está correto quando diz que o julgamento foi político. O Supremo [Tribunal Federal] é uma Corte política. Houve um julgamento político do projeto do nosso partido. Quando criminalizam nossos companheiros não temos outro caminho que não defendê-los. Porque no Brasil é assim. Quando não ganham nas urnas querem ganhar por outras vias.
Valor: Você esteve envolvido no escândalo, mas aparentemente não teve a carreira política afetada. É um sobrevivente?
Guimarães: Um ex-assessor meu foi preso com dólares na cueca. Não fui eu. Mas o que disseram? O que a mídia fez? Construiu a imagem de que eu era preso, que era irmão do Genoino. Foi para matar os dois irmãos. Foram sete anos de investigação e qual o resultado? O STJ me tirou do polo passivo e da ação do Ministério Público. Isso transitou em julgado. E quem repara o dano a minha imagem? Por isso tem que discutir o papel da mídia, o direito de resposta.
Fonte: Valor Econômico