28/06/2018
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Comissão do veneno – agrotóxico como prato principal do brasileiro
Aprovado nesta terça-feira (25) na comissão especial, o projeto que permite o registro e a comercialização indiscriminada de agrotóxicos no Brasil representa um tremendo retrocesso. Patrocinada pela bancada ruralista com a conivência do governo Temer, a proposta visa somente favorecer os produtores de pesticidas e o agronegócio, sem nenhum compromisso com a saúde da população ou o meio ambiente. Mas o texto é tão absurdo que o tiro pode sair pela culatra e prejudicar os interesses da própria agricultura brasileira.
Dentre os muitos impropérios previstos, consta, inclusive, a proibição ao uso de técnicas tradicionais de combate a pragas, como a utilização de calda bordalesa (uma mistura de cal virgem, sulfato de cobre e água) e de extrato de plantas como nem e pimenta. Pasmem, mas pela proposta, produtores rurais somente poderão utilizar esses métodos se alguma empresa resolver comercializá-los.
Mas isso está longe de ser o mais grave. Pelo texto, mesmo produtos cancerígenos poderão receber o registro e serem comercializados normalmente no mercado brasileiro. Pela legislação atual (Lei 7.802/89), se estudos demonstrarem que o agrotóxico tem características teratogênicas (causadoras de malformação fetal), carcinogênicas (causam câncer) ou mutagênicas, ou resultem em distúrbios hormonais, ele não poderá ser registrado. Já o projeto aprovado prevê proibição de registro só em caso de “risco inaceitável”, mas sequer define o que seria isso.
Como se não bastasse, ainda está previsto um tal “registro provisório”, que poderá ocorrer em duas circunstâncias. Se o produto já for registrado em três dos 35 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou se o órgão responsável não emitir o registro no prazo previsto na proposta.
Pela medida aprovada na comissão especial, o registro de agrotóxicos seguirá um rito muito simplificado e célere. Para produto novo, todo o processo não poderá levar mais que dois anos. No caso de genéricos ou derivados, o tempo máximo será de um ano apenas. E o que é pior. O texto retira da Anvisa e dos demais órgãos públicos a prerrogativa de realizar análises dos pesticidas. Caberá ao órgão responsável fazer o registro com base unicamente nas informações fornecidas pelo fabricante.
Com tanta rapidez – na União Europeia o registro pode levar até nove anos – não é difícil crer que produtos nocivos irão receber autorização de uso, sem nenhuma análise ou critério. Simplesmente em função do decurso do prazo.
Em compensação, ao contrário do que prevê a lei atualmente, se houver alerta internacional em relação à periculosidade de uma substância, ela não poderá ser proibida. O texto determina somente sua reavaliação, mas em nenhuma prioridade em relação aos demais processos.
Esses pontos, aliás, assim como outros pontos do projeto, já foram considerados inconstitucionais pelo Ministério Público Federal. De acordo com o MPF, a Constituição proíbe o Estado de abrir mão de cuidar do interesse público e de delegar seu poder de polícia. “Não pode o poder público renunciar aos seus mecanismos de avaliação e controle prévio de substâncias nocivas ao meio ambiente e à saúde, mediante substituição por mero ato homologatório de uma avaliação conduzida pelo particular”, afirmam os procuradores. Além disso a Carta de 1988 estabelece a prevalência do direito à saúde e ao meio ambiente saudável sobre a ordem econômica.
Mas o projeto da bancada ruralista vai além e prevê a aplicação de agrotóxicos sem receituário agronômico. O Brasil já consta entre os maiores consumidores de pesticidas do mundo. Com essa liberalidade certamente aumentam os riscos de uso ainda mais indiscriminado dessas substâncias tóxicas.
Ao contrário do que ocorre em outros países do mundo, inclusive nos Estados Unidos, país usado como exemplo por seus defensores, o projeto concentra todas as atividades relativas a agrotóxicos no Ministério da Agricultura. Desde o registro dos pesticidas até o monitoramento dos resíduos desses produtos, análise essencial para o cumprimento dos limites máximos permitidos de uso.
Desde 1979 essas atribuições ficam a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão ligado ao Sistema Único de Saúde, e do Ministério do Meio Ambiente. Em nota, a agência, que é contrária à alteração legal, afirma que a avaliação toxicológica dos alimentos que realiza segue referências internacionais e a abordagem é semelhante à utilizada na União Europeia.
Percebe-se claramente, então, que a proposta, ao invés de beneficiar o agronegócio, pode atrapalhar a comercialização dos produtos brasileiros no mercado internacional. Afinal, em matéria recente, o jornal francês Le Monde apontou o Brasil como um dos campeões mundiais em uso de pesticidas e, ironicamente, afirmou que o agrotóxico é a sobremesa do brasileiro. Com a medida, como apontaram colegas da bancada do PT na votação, o veneno vai se tornar o prato principal. O mundo, certamente, não vai querer participar desse banquete.
* Advogado, deputado federal (PT-CE), líder da Oposição na Câmara