18/01/2016

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Pedido sem consistência

Impeachment sem crime de responsabilidade cometido diretamente pelo agente político nada mais é do que golpe. O jurista Cláudio Lembo bem ressalta que, a partir dos anos 1990, os golpes militares na América Latina foram substituídos por essa nova forma político-jurídica de desrespeito à vontade popular.

Como aponta o ex-governador de São Paulo, dez presidentes foram destituídos por meio de juízos políticos na América Latina. Um instrumento criado para retirar do poder agentes que cometessem crimes graves contra o Estado e a democracia acabou banalizado como uma nova arma das elites tradicionais para remover do cargo presidentes que contrariem seus interesses.

No caso brasileiro atual, a configuração golpista não poderia ser mais clara. Os autores do pedido de impeachment inicialmente basearam a ação em supostas irregularidades fiscais cometidas em 2014, apontadas em relatório do TCU (Tribunal de Contas da União), mas que ainda não foram julgadas pelo Congresso Nacional, órgão com competência exclusiva para fazê-lo.

Mesmo que o Congresso convalidasse o relatório de seu órgão técnico consultivo, não seria possível sustentar o pedido nesse fato. A Constituição é cristalina ao dizer que só pode haver impedimento do presidente da República por atos ocorridos na vigência do mandato.

Cientes disso, os autores reformularam a peça apresentada ao presidente da Câmara para incluir o argumento de que as mesmas irregularidades fiscais ocorridas em 2014 continuavam a ser praticadas em 2015, portanto, no atual mandato.

Foi essa a proposta que o presidente da Câmara acolheu em dezembro do ano passado. Com as alterações, os autores julgam poder, finalmente, enquadrar a presidente.

Contudo, com essa manobra, os argumentos pseudo-jurídicos se tornam ainda mais inconsistentes. Como seria possível cassar o mandato de uma presidente democraticamente eleita com base em meras suposições? Se acaso Dilma Rousseff tivesse realmente cometido algum crime contra a lei orçamentária em 2015, esse fato somente poderia ser julgado a partir de agora, 2016.

Primeiramente o TCU teria de produzir um parecer que apontasse esses crimes. Depois, caberia ao Congresso aprovar ou rejeitar as contas presidenciais. Portanto, falar em cassar a presidente com base em supostas irregularidades no mandato atual não passa de tentativa desesperada de uma oposição golpista que transformou 2015 no terceiro turno da disputa de 2014.

Se não bastasse, o Congresso aprovou uma nova meta fiscal para o governo em 2015, o que afasta de vez a teoria da irregularidade na execução do orçamento do ano passado.

Não se trata de manobra contra a presidente Dilma ou o PT. É muito mais grave que isso. Trata-se de um golpe contra a democracia brasileira, que vem sendo construída a duras penas nos últimos anos.

Diante de dificuldades políticas criadas e alimentadas continuamente por opositores do governo, estabeleceu-se um clima de oportunismo em que as elites tradicionais buscam retomar o poder pela força, já que por quatro vezes consecutivas fracassaram pela via do voto.

Não por acaso tantos juristas, artistas e organizações sociais se posicionam contra essa manobra. Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparato e Celso Antônio Bandeira de Mello são unânimes em dizer que esse pedido de impeachment não tem consistência jurídica. Quem aderir à via do golpismo não será perdoado pela história.

JOSÉ GUIMARÃES, 56, advogado, é deputado federal (PT-CE) e líder do governo na Câmara