28/01/2013

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A Venezuela e a vontade popular

O imbróglio jurídico-político causado pela doença do presidente Hugo Chávez levou alguns articulistas a tornarem-se, subitamente, profundos conhecedores da ordem constitucional venezuelana. Julgam conhecer tão bem a Carta Magna do país vizinho que se dão ao desplante de criticar a decisão da "Corte chavista". Não bastasse, os críticos do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela condenam o governo brasileiro por ter dado apoio ao imaginário "golpe" lá ocorrido.

Ora, a decisão do TSJ, suscitada por iniciativa da oposição, considerou que o juramento previsto no artigo 231 da Constituição não é mera formalidade. Ele faz parte da tradição política da Venezuela, que foi modificada, entretanto, após a Constituição de 1999.

Com efeito, a antiga Constituição de 1961 previa que, ante a impossibilidade de o eleito assumir o cargo no prazo estipulado, era declarada sua falta absoluta, o presidente em exercício renunciava, e o poder era entregue ao presidente do Congresso, que convocava novas eleições. Porém, a Constituição de 1999, ao prever a reeleição, rompeu parcialmente com essa tradição. Por isso, a Corte venezuelana concluiu que, no caso de uma autoridade reeleita, seria um "contrassenso maiúsculo" considerar que existe uma prorrogação indevida de um mandato, em prejuízo do sucessor, pois a pessoa com o mandato que se extingue é a mesma que conquistou, nas urnas, o novo mandato.

Observe-se que essa interpretação da Constituição da Venezuela não é casuística. Na realidade, o TSJ venezuelano já havia se manifestado, de forma semelhante, em três outras sentenças. Ademais, o artigo 231 prevê explicitamente a possibilidade de o novo presidente tomar posse em data posterior.

O argumento central da Corte, porém, não foi esse. O TSJ considerou que qualquer pretensão de anular uma eleição, sem comando constitucional expresso, seria subordinar a vontade popular a uma "técnica operativa" e provocar um trauma político e institucional. O TSJ reafirmou, assim, a primazia do voto popular, fundamento último de qualquer democracia digna desse nome.

O mesmo fez o governo brasileiro. Tanto no episódio do ex-presidente Lugo, quanto agora, na Venezuela, o Brasil defendeu a vontade popular expressa no voto. Portanto, defendeu, nas duas ocasiões, o princípio basilar da democracia.

Mas a decisão da Corte, além de ser juridicamente correta, foi também politicamente sensata. Tentar tirar Chávez do poder, nas dramáticas circunstâncias atuais, seria um convite à guerra civil. Portanto, o Brasil fez a coisa certa: defendeu a democracia e a paz interna da Venezuela, em estrito respeito aos princípios inscritos no Protocolo de Ushuaia, na Carta Democrática da OEA e no Protocolo Democrático da Unasul.

(*) Deputado federal (PT-CE) e líder do partido na Câmara