10/05/2011
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Limites no Combate à Inflação - Amir Khair
O que mais desgasta um governo é a inflação. Mais do que o desemprego. As pesquisas de opinião revelam isso com clareza, pois a inflação atinge a todos reduzindo o poder aquisitivo, principalmente das camadas de renda média e baixa e eleva a inadimplência das suas dívidas. O desemprego atinge bem menos pessoas, embora possa criar clima de insegurança quanto à perda de emprego.
Com inflação, a perda do poder de compra reduz o consumo, a produção e os investimentos. No final eleva o desemprego.
Assim, o combate à inflação é prioridade número um do governo, que é perante a população o responsável pela inflação, mesmo quando parte importante dela é importada, como ocorre desde set/2010.
É diante dessa situação que se encontra o governo, garantindo que não irá contemporizar com a escalada inflacionária. Mas dispõe de todas as armas para isso?
Segundo várias análises, a receita para debelar a inflação é simples: basta reduzir a demanda, aumentando a Selic, e cortando os gastos do governo federal.
Mas o controle inflacionário se dá por outro canal. A Selic elevada atrai dólares dos especuladores externos, que aprecia o real barateamento as importações e impedindo a remarcação de preços, pois existe um similar importado com preço mais baixo para o consumidor.
O que escapa dessa proteção da âncora cambial são os serviços, que não podem ser importados e os preços administrados, que mantém relação com a inflação passada e têm garantias contratuais.
Na avaliação do processo inflacionário é necessário considerar seus condicionantes externos e internos ao País para entender os limites para a atuação do governo.
Condicionante externo
O Banco Central americano (Fed) no auge da crise recomprou US$ 1,7 trilhões em títulos privados para ativar o crédito e o consumo. Como até ago/2010 a economia quase não reagiu, o Fed decidiu recomprar esses títulos e comprar mais US$ 600 bilhões até junho deste ano.
Isso fez disparar, a partir de set/2010, os preços dos alimentos e commodities para preservar seus valores em dólares, criando inflação em todos os países, especialmente nos emergentes, onde os alimentos têm peso significativo. Segundo o FMI, cresceram cerca de 30% nos últimos seis meses de 2010.
Em consequência, vários países já ultrapassaram o limite superior de sua meta de inflação e não estamos livres neste ano. Como a nova injeção de US$ 600 bilhões só termina em junho é provável que os preços dos alimentos e commodities continuem subindo pelo menos até junho. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) “O aumento dos preços internacionais dos alimentos deve provocar elevação de até um ponto porcentual na inflação brasileira no final de 2011. As elevações de preços internos tenderão a se estender por seis meses do ano seguinte.” Segundo a Bloomberg e BC de jul/2010 a fev/2011 o preço das commodities no Brasil (IC-Br) subiu 74%.
A elevação de preços das commodities atinge em primeiro lugar os preços no atacado e daí com certa defasagem para os preços no varejo.
Entre o 3º e 4º quadrimestre de 2010 o índice geral das commodities passou de (-) 0,68% para 3,82%, petróleo de (-) 2,44% para 4,00%, matérias primas de (-) 0,63% para 2,96%, carnes de (-) 1,20% para 1,88% e grãos, oleaginosas e frutas de 2,08% para 4,98%. Todos os índices que medem a inflação sofreram uma subida e o IPCA, que é o índice oficial, pulou de 0,12% para 0,66% e neste primeiro quadrimestre para 0,80%, incorporando mais inflações no atacado e a sazonalidade característica de início de ano.
Condicionante interno
Eleva a inflação os preços dos serviços, a indexação de alguns contratos e dificuldades para a contratação de mão de obra devido ao desemprego ter atingido níveis considerados baixos. Em 2012 haverá o reajuste do salário mínimo, que deverá subir cerca de 14%, elevando a demanda.
Reduz a inflação a safra recorde prevista de produtos agrícolas, um abrandamento do consumo das famílias devido à perda inflacionária de seus rendimentos, o maior comprometimento de sua renda disponível em função de compras realizadas, e a valorização do real reduzindo os preços dos produtos importados.
Vale destacar, também, as perspectivas da oferta e da procura. No ano passado, os investimentos cresceram 21,8% e o consumo 6,1% e na média dos últimos sete anos (2004 a 2010) os investimentos cresceram 7,0% e o consumo 4,4%, o que é um bom sinal para as perspectivas inflacionárias. Fora isso, o governo através de medidas macroprudenciais encareceu o crédito, retirou da economia cerca de R$ 80 bilhões em depósitos compulsórios dos bancos, cortou R$ 50 bilhões do orçamento e se comprometeu a atingir um superávit primário de R$ 117,9 bilhões para o setor público neste ano.
Combate eficaz
Apesar de várias análises atribuírem ao excesso de gastos do governo federal a saída para o problema inflacionário, elas sabem dos limites do engessamento orçamentário federal e das dificuldades políticas para o corte de despesas, como no episódio recente da tentativa de corte nos restos a pagar, que atingiriam emendas parlamentares, além das pressões por aumentos de despesas de pessoal do Legislativo e Judiciário. Embora não apareçam nessas análises, as elevações da Selic aumentam as despesas do governo, agravando a expansão fiscal.
Assim, caso se atribua à demanda (consumo das famílias, gastos do governo e investimentos) o crescimento da inflação, o mais adequado seria reduzir o ritmo de crescimento do consumo das famílias, já que os investimentos viabilizam o crescimento da oferta futura, antídoto da inflação. Para conter a expansão do consumo, o melhor é elevar o valor das prestações e isso se faz com medidas macroprudenciais. Parece que o governo não está apostando mais nessa via, pois poderia jogar mais pesado para conter o consumo irrigado a crédito.
A massa salarial é a outra componente do consumo. O importante é que o consumo evolua mais naturalmente com a massa salarial, do que pelo estímulo exagerado do crédito como ocorreu nos últimos anos.
Enquanto continuar se expandindo a liquidez internacional, os preços de alimentos e commodities continuarão subindo para preservar seus valores em dólares e para atender a expansão do consumo asiático e de outros países emergentes, que incorporam mais de 30 milhões de novos consumidores por ano.
É preciso no combate à inflação, reconhecer nossas limitações e ampliar o alcance das medidas macroprudenciais. No entanto, antevendo o desgaste político da inflação o governo parece seguir o caminho da âncora cambial continuando a elevar a Selic como já anunciado na última ata do Copom, deixando a questão do emprego em segundo plano pela maior facilitação às importações. A curto prazo essa estratégia poderá funcionar, mas os custos para o País serão gigantescos, prejudicando neste e nos próximos anos o ajuste das contas internas e externas. Não seria o melhor caminho.