19/06/2008
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Contra um modelo predatório - Carlos Minc
Nossa luta não é contra o índice de desmatamento do mês anterior, é contra um modelo predatório, que empobrece o povo e destrói a biodiversidade. Enfrentamos desafios na primeira semana de governo: a 9ª conferência sobre a Biodiversidade, em Bonn, e a reunião de governadores em Belém. Em Bonn a posição do Brasil estava sob bombardeio: o aumento de índices de desmatamento, a saída da ministra Marina Silva e a negativa da delegação brasileira de discutir impactos ambientais do etanol e do biodiesel, o que nos colocou no isolamento. Acertamos com o Itamaraty a mudança de tática, distinguindo os ambientalistas do lobby europeu que pretendia impor barreiras protetoras do seu álcool de beterraba e do seu biodiesel de grãos, ambos sem competitividade. Aceitamos discutir impactos em organismos técnicos como indicativos aos países, mas sem exigências condicionantes às importações. Exigimos análise dos impactos sobre a biodiversidade dos combustíveis fósseis, como a chuva ácida, que afeta florestas e animais.
No plenário, com 90 ministros de meio ambiente, alertamos que havia sido obscurecido e entravado o regime de acesso e a repartição de benefícios sobre os usos da biodiversidade. Há o compromisso de este entrar em vigor em 2010, mas havia resistência dos países ricos, que não garantiam recursos, equipes, cronogramas para viabilizar essa meta. Questionamos esse boicote, pois eles não queriam pagar pelo que hoje obtêm de graça; seus laboratórios garimpam sementes e plantas, sintetizam seus princípios ativos e nos cobram royalties e patentes por toda a vida. Desafiamos os países ricos a reverterem suas posições, ou estimulariam a biopirataria. Com o apoio de outros países demos passos para garantir a meta de 2010, importante para o Brasil, em especial para a Amazônia.
Na reunião do Fórum dos Governos da Amazônia estavam em causa as obras do PAC, de saneamento e infra-estrutura e a execução do PAS (Plano Amazônia Sustentável); e a reação de alguns governadores às medidas anunciadas pelo governo Lula para conter a devastação, sobretudo a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central (Bacen) de não conceder crédito, a partir de 1º de julho, às empresas que não comprovarem regularização fundiária e ambiental.
Antes do Fórum, conversamos com seis governadores, detectamos suas demandas, e agimos para oferecer respostas ambientais, evitando um confronto. Inserimos numa medida provisória o preço mínimo para os produtos extrativistas, antiga demanda da região que permitirá que o setor se capitalize, saindo da dependência dos atravessadores, garantindo vida digna a 5 milhões de trabalhadores. Incluímos no Fundo Amazônia, que será criado em um mês, a recuperação das áreas desmatadas e a manutenção da floresta em pé; ampliamos para 134 milhões de reais o reforço para produção e comercialização dos produtos extrativistas. Garantimos apoio à conclusão do ZEE - Zoneamento Ecológico Econômico - da região até o final de 2009; com o apoio do Ministério do Meio Ambiente, Rondônia e Acre já concluíram, e Maranhão, Pará e Mato Grosso estão finalizando. Ampliamos recursos para saneamento e resíduos sólidos para os estados. Fomos saudados no Fórum ao anunciarmos essas medidas e apenas um governador insistiu em derrubar a decisão do Bacen.
O bioma cerrado não foi excluído dessa deliberação, pois desde sua edição, em 29 de fevereiro de 2008, esta se reportava exclusivamente ao bioma Amazônia. Estamos elaborando solicitação ao CMN para estender essa resolução, com as devidas adaptações, aos biomas cerrado, Mata Atlântica, caatinga e Pantanal.
Não deve receber crédito subsidiado quem não regularizar sua terra e demarcar sua reserva legal. Nunca flexibilizamos a deliberação do CMN, pois nenhum ministro tem esse poder. No CMN tem assento vários ministérios e só este tem poder de rever suas decisões. Os limites do bioma Amazônia foram definidos pelo IBGE e incluem 527 municípios e cerca de metade do território brasileiro. Noventa e dois municípios têm áreas (e produtores) dentro e fora do bioma, sendo que a resolução do CMN/Bacen atinge somente os de dentro. A lei determina que, em primeira instância, cabe aos estados aferir essa situação, cabendo ao Ibama e ao Ministério Público a fiscalização. Caso algum dos três secretários de Meio Ambiente (os outros seis estados estão integralmente dentro do bioma Amazônia) atestar em falso, o que não creio, responderá por falsidade ideológica e crime ambiental, perdendo o emprego e a liberdade.
A outra opção seria desastrosa: destinar metade dos 450 agentes do Ibama na Amazônia (insuficientes para defender parques nacionais, reservas extrativistas, e atuar com a Polícia Federal no Arco de Fogo, e com outros 12 ministérios no Arco Verde) para atender seis mil agricultores, checar documentos, e atestar se estes (de um universo de centenas de milhares de produtores) estariam dentro ou fora da linha do IBGE.
A partir de 15 de junho, siderúrgicas, madeireiras, frigoríficos, agropecuárias terão de informar seus fornecedores e serão co-responsáveis por seus eventuais crimes ambientais. Assim, tratarão de fiscalizar e modernizar suas cadeias produtivas, o que é necessário, pois só com Ibama e PF não reverteremos a devastação. Dia 17/6 os exportadores de óleos vegetais renovam por um ano a moratória de não comprar soja resultante do desmatamento da Amazônia. Governos estaduais assinarão termos de cooperação para transportar e leiloar produtos ilegais apreendidos, como madeira e grãos. A defesa da Amazônia exige um esforço enorme de todo o país, e as metas dessa mobilização estão sendo delineadas.
Carlos Minc -Ministro do Meio Ambiente
Artigo publicado originalmente no jornal O Globo, em 12/06/2008