10/04/2006
Compartilhe esta postagem:
A arapuca do caseiro
Qual a razão de tanta celeuma que a quebra do sigilo bancário do caseiro piauiense levantou no interior do sistema comunicacional brasileiro?<br /> <br /> O sigilo é exigência fundamental tanto no confessionário quanto no protocolo do psicanalista. A primeira situação remete ao sagrado, enquanto a segunda ao método, visando a escuta do inconsciente. O sigilo bancário atende a algum intuito divino ou procedimento social indispensável? Creio que se trata de um formalismo jurídico-institucional para atender, na maioria dos casos, aos interesses escusos de capitalistas e banqueiros. <br /> <br /> Qual a razão de tanta celeuma que a quebra do sigilo bancário do caseiro piauiense levantou no interior do sistema comunicacional brasileiro? Penso que esse instituto deveria ser abolido e transformado simplesmente em controle pela autoridade financeira. Portanto, contrariando Lula e seus ministros que afirmam estrategicamente ser a imprensa brasileira livre e democrática, creio que a maioria é lobista, partidarista e principalmente tão mesquinha como o seu amo, o capitalismo nacional. <br /> <br /> A posição oscilante do governo Lula, que quer atender com a mesma presteza e de um só golpe a Deus e ao Diabo, dificulta a resposta mais direta a esses questionamentos. O problema substantivo e essencial é que o caseiro foi pago e treinado para mentir no palanque CPI que a oposição organizou em conjunção com a maioria da imprensa brasileira para atacar a figura de Luis Inácio Lula da Silva que teima em não sair da preferência popular. O povo compreendeu há muito que, com todas as falhas, o governo Lula é muito superior ao governo FHC. Isso foi entendido diretamente pelos dados numéricos, mas igualmente pela sensibilidade coletiva aguçada no período eleitoral. <br /> <br /> O processo eleitoral costuma ser embate duro, mas nunca se viu na história republicana algo tão sistemático como o denuncismo que foi montado para destruir a esquerda, partindo do Caixa 2 praticado pela política nacional desde a colonização. Aliás, o capitalismo brasileiro se desenvolveu empoleirado nas costas do poder público, portanto, viciado estruturalmente na prática do segundo livro. O ponto chave desta arapuca do caseiro é que a mídia omite os quase 40 mil reais da Conexão Piauí, enquanto o governo fica acuado com essa formalidade jurídica, porque não ousa confrontar a hipocrisia do sistema. <br /> <br /> A orquestra comunicacional organizada no Brasil para derrubar, enfraquecer ou sangrar Lula com respaldo da pequena política praticada pelo PFL-PSDB só teve paralelo histórico no macartismo americano. O filme Boa Noite-Boa Sorte sobre esse período se aplica quase integralmente ao caso brasileiro atual. Nesta película o moralismo autoritário da classe média é mobilizado, enquanto certo esquerdismo 'do contra' faz coro com a direita. <br /> <br /> O governo Lula não caiu porque foi apoiado pelo grande capital satisfeito com a política econômica, criticada pelos socialistas como continuidade neoliberal. A crítica do governo Lula deve ser feita no sentido de que não deu maior atenção aos movimentos sociais, à reforma agrária e não promoveu uma reforma tributária capaz de diminuir a enorme desigualdade na distribuição da renda. Dessa maneira, a esquerda ao invés de vituperar o governo Lula deveria constituir o campo crítico capaz de intensificar a inversão do vetor econômico para o social. A esquerda não pode ficar olhando o varejo do processo político, pois não apoiar Lula neste momento significa facilitar a eleição do grão mestre do Opus Dei, Alckimin, ou profeta Garotinho, ambos candidatos ao governo e à santidade. <br /> <br /> A queda do ministro Pallocci atende a um aspecto formal, portanto, nada essencial do chamado Estado Democrático de Direito. A imprensa focou neste ponto para a arregimentação da opinião pública que vem promovendo, desde o início desse governo, visando retomá-lo para o tradicionalismo conservador PFL-PSDB. A entrada de Guido Mantega no Ministério da Fazenda sinaliza para a esquerda maior preocupação com o desenvolvimento nacional e o vetor social. Dessa forma, embora condenando a metodologia do sistema comunicacional, creio que acabou apontando para a futura formatação de um possível novo Governo Lula mais à esquerda. As arapucas da politiquinha miúda serão, infelizmente o mote dessa eleição. <br /> <br /> <br /> ARTIGO VEICULADO NO JORNAL O POVO, EM 9 DE ABRIL DE 2006