06/05/2005
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Esterilidade Sectária e a Negação da Economia Política
"Aliás, é aí que deve residir o sentido da economia política, saber pensar os meandros da distribuição e do acúmulo do excedente econômico no espaço concreto em que ela atualmente se gesta o mercado e a sociedade civil mundial"<br /> <br /> Ocupo novamente este espaço democrático para apresentar minhas contra-razões ao artigo do Sr. Alberto Amadei, publicado neste jornal, no último domingo sob o título de “O pai com que os banqueiros sonharam”, em que autor mais uma vez investe contra o governo Lula e sua suposta conversão ao neoliberalismo. <br /> <br /> Opinião do articulista é veiculada como se fosse mera expressão objetiva de uma verdade econômica absoluta, demonstrada de forma pedagógica através do generoso relato de uma profusão de números, dados e estatísticas, aritmeticamente perfeitos, lógicos e congruentes sobre as opções “conservadoras” do governo Lula. Neste sentido, só nos restaria aceitar, resignada e benevolentemente, o veredicto de “traição” atribuído ao governo Lula e seus defensores - acusados de manterem-se fiéis aos parâmetros da política econômica de FHC - sob pena, quem sabe, da nossa “excomunhão” da comunidade dos “homens de boa-fé”. <br /> <br /> Posição sectária veiculada por alguns intelectuais que se alimentam de uma certa “sociologia dos baixos interesses”, que parece creditar aos adversários sempre intuitos mesquinhos, apequenados, enquanto aqueles, por sua vez, estariam revestidos de uma aura de abnegação e generosidade ética inigualáveis, que lhes confeririam o monopólio da verdade e da justeza históricas. <br /> <br /> Contudo, a realidade é bem mais complexa, notadamente a realidade econômica de um país como o Brasil, definido pela estruturação histórica de um modelo de capitalismo periférico, marcado pela dependência externa e pela exclusão das maiorias populares do acesso aos direitos fundamentais e ao consumo. Estado brasileiro periférico que possui entraves profundos, que não podem ser removidos facilmente por meio de um simples decreto presidencial, nem muito menos por meio de gestos voluntaristas. <br /> <br /> E que ainda tem o agravante de viver atualmente em uma conjuntura internacional particularmente adversa em razão do unilateralismo bélico do imperialismo americano e de uma globalização neoliberal antidemocrática, que reduzem os espaços de decisão interna e externa dos Estados nacionais. Além, é claro, da debilitação a que os trabalhadores foram expostos em sua força organizativa, pela desorganização do tecido produtivo, em razão de quase duas décadas de políticas privatistas, predatórias do setor público e das cadeias produtivas de nossa economia. Daí a precariedade do exame das políticas do governo Lula, especialmente da econômica, se não nos detivermos às condições dadas em que ela é exercida, e não nas condições ideais, onde os princípios se afiguram supremos e intangíveis. <br /> <br /> Aliás, é aí que deve residir o sentido da economia política, saber pensar os meandros da distribuição e do acúmulo do excedente econômico no espaço concreto em que ela atualmente se gesta - o mercado e a sociedade civil mundial – dimensionando as potencialidades criativas de nossa ação política, no espaço interno e externo, no sentido da afirmação de nossos valores democráticos e socialmente inclusivos das maiorias. <br /> <br /> Ao contrário do que dizem os adversários, a consciência da complexidade de nossas ações no âmbito da política internacional e da política interna indica a unidade dos objetivos democráticos, nacionais e populares buscados pelo governo Lula, através da concretização de um duplo movimento: o de reinserção soberana do Brasil na comunidade internacional, combinado com a solidificação do protagonismo estatal no fomento ao desenvolvimento econômico, político e cultural interno. Como se pode deduzir dos significativos avanços do governo Lula tanto na esfera externa, quanto na interna. <br /> <br /> A começar pela redefinição de sua política externa, voltada para o estabelecimento de novos pólos de poder no mundo em desacordo ao unilateralismo americano pós-guerra fria, que abre espaços para a consolidação não somente do Mercosul, mas também para a modificação de nossas parcerias econômicas com outros blocos econômicos como a China e a Comunidade Européia, além da remodelação de nossas relações com a África e o conjunto do Terceiro Mundo. Além das vitórias diplomáticas obtidas na superação da tentativa de golpe contra Chávez na Venezuela, que contou com a iniciativa do governo brasileiro no desmonte da situação de isolamento regional e mundial que o governo dos EUA queriam impor àquele país, ou mesmo na proposição de uma nova agenda internacional calcada no combate à fome, à guerra e na afirmação dos direitos fundamentais.<br /> <br /> Em apenas dois anos, o Governo Lula, a despeito da situação de falência em que assumiu o Brasil, obteve resultados históricos e levou o país a um de seus melhores momentos. Os indicadores econômicos são os mais positivos dos últimos 10 anos. A conjuntura aponta para um ciclo virtuoso de crescimento contínuo e estável. Para comprovar isso, alguns dados merecem ser destacados.<br /> <br /> Nesse período, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu cerca de 5%. A inflação, que era de 12,5% em 2002, caiu para 7,2% nos últimos 12 meses. A dívida do setor público, que era de 57% no último mês do governo FHC, já chegou a 51% neste último trimestre. Já foram gerados mais de 2,5 milhões de empregos com carteira assinada, o maior índice desde 1992. Com o vigor das exportações, o país conseguiu a reversão do déficit em conta corrente na nossa balança comercial, que saiu da situação negativa em 2001 (- US$ 24 bilhões), para uma de superávit recorde da ordem de US$ 33 bilhões, impermeabilizando a economia brasileira dos efeitos de eventuais crises econômicas externas. Em dois anos, o Brasil passou do 15º para o 12º lugar no ranking das maiores economias do mundo.<br /> <br /> Pela primeira vez o Brasil tem uma política industrial que dá resultados concretos. Iniciativas como a sanção da Lei de Inovação, regulamentação da Lei de Informática e a criação do Prosoft, aliadas à retomada do crescimento, levaram a indústria brasileira a um crescimento recorde nos últimos meses. Nos últimos 12 meses, a produção industrial cresceu em todas as regiões do país. Segundo dados da CNI (Confederação Nacional da Indústria) o mercado de trabalho na indústria teve, em fevereiro, seu 14º mês consecutivo de expansão. A indústria metalúrgica, por exemplo, registrou, em 2004, o maior número de contratações desde 1987.<br /> <br /> O pequeno produtor também é prioridade do Governo Lula. Através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), estão sendo destinados, na safra 2004/2005, R$ 7 bilhões, um recorde em investimento. Na safra anterior, foram R$ 5,4 bilhões. Como resultado, apenas em 2004, 450 mil famílias foram incluídas no sistema produtivo, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.<br /> <br /> O Programa Bolsa Família, carro-chefe do Fome Zero, consolida-se como o maior programa de transferência de renda da história do Brasil. Seu impacto na economia brasileira e na vida das famílias carentes comprova a prioridade que o Governo Lula confere ao combate à fome. Pelos dados de março, o Bolsa Família está presente em 99,5% dos municípios brasileiros. São 6.562.155 famílias atendidas em todo o país, num investimento de R$ 430.198.315,00.<br /> <br /> Outras iniciativas do Governo moralizam e modernizam a organização da gestão pública. É o caso do marco regulatório do setor elétrico, que define os papéis de todos os agentes do setor. Baseado em dois pilares, segurança de abastecimento e tarifas menores, o marco regulatório vai reverter a ineficiência que levou o país ao “apagão”. Após meses de debates e diálogo, a Lei de Biossegurança encerrou a polêmica sobre o plantio de sementes transgênicas e pesquisas com células-tronco.<br /> <br /> Após décadas de dependência externa, o Brasil não mais renovou o acordo com o Fundo Monetário Internacional. Esse fato histórico, fruto do equilíbrio de suas contas públicas e da sustentabilidade com que vem alcançando resultados, tem um grande significado estratégico simbólico para o Brasil e a América Latina. Nas palavras do presidente Lula: “O Brasil passa a caminhar com suas próprias pernas”.<br /> <br /> Acresça-se ainda, as mudanças operadas pelo governo Lula na política de crédito no Brasil, redefinindo a função dos bancos oficiais como instituições de fomento ao desenvolvimento, por meio do reforço de bancos regionais, como o BNB. Merece destaque ainda a reestruturação da administração pública, com o fim das terceirizações, além do combate feroz à corrupção sistêmica por meio da ação da Polícia Federal e da Corregedoria Geral da União, regulação do sistema universitário privado, o fim das privatizações das estatais, entre tantos outros exemplos. <br /> <br /> Modificação que também se dá na relação qualificada com os movimentos sociais e com a cidadania, e que exibem a constituição de um novo paradigma político, social e cultural de sociabilidade democrática que começa se esboçar no Brasil, infelizmente, nem sempre apreensível pela racionalidade matematizante dos números e estatísticas, principalmente quando estes são desconectados da trama de sentido global da realidade que somente a política viva pode realizar.