13/10/2004
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Sem rumo
Em política, como na guerra, uma das piores coisas que pode ocorrer é confundir os amigos com os inimigos. Quando isso ocorre por manobras desastradas, ainda é possível encontrar desculpas e, de certa maneira, reparar o erro. No entanto, quando isso ocorre porque o antigo aliado é explicita e claramente tomado como inimigo principal, o desastre pode vir a galope.
Nesse sentido, nada mais significativo do que a comemoração escancarada de uma parcela da esquerda parlamentar, juntamente com conhecidas raposas da direita conservadora, na derrota do governo durante a votação do novo salário mínimo, no Senado. Na prática, apesar de todas as juras teóricas, essa esquerda apresenta, como alternativa à suposta continuidade neoliberal do governo Lula, a aliança com a direita pefelista-tucana.
Convenhamos que, mesmo na hipótese de que tenham razão na crítica à condução política e econômica governamental, aliar-se à direita para derrotar o governo também denota uma total falta de rumo. Dizendo de outro modo, se nossa alternativa para derrotar a suposta política neoliberal predominante no governo Lula for uma aliança com os neoliberais derrotados nas eleições de 2002, o que sobra para a esquerda e para o povo brasileiro? Vagar eternamente entre neoliberais e conservadores autênticos, de um lado, e neoliberais travestidos de progressistas petistas, de outro?
No caso, nem serve o argumento de que se tratou de uma aliança tática para melhorar o salário mínimo dos trabalhadores. Qual a diferença entre um salário mínimo de 260 reais e um de 275 reais, se são os próprios trabalhadores que vão pagar esse aumento, com cortes maiores ou menores nas políticas sociais? Ao embarcar na onda da direita e derrotar o governo, essa parte da esquerda apenas contribuiu para manter o debate “pela direita”, escamoteando a questão do superávit primário e do tratamento da dívida.
Como a estratégia sumiu no processo de disputa ideológica e política, e as questões táticas transformaram-se em casos de honra e de princípios, parece que as bússolas de orientação no mar confuso da política nacional transformaram-se em birutas de aeroporto em dia de ventos cruzados. Talvez não seja por acaso que ACM estava gargalhando tanto.