22/08/2020

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[ARTIGO] Desonerar a classe média e os pobres e taxar os milionários

Intensifica-se o debate sobre a reforma tributária no país, tema que vem sendo adiado há anos e que agora adquire importância estratégica diante da pandemia de Covid-19. Aumentaram as demandas da sociedade por ampliação dos serviços de saúde simultaneamente a uma queda abrupta da arrecadação, em função do desaquecimento da economia agravado em tempos de pandemia pelo modelo neoliberal adotado pelo governo atual.

Os partidos de oposição, junto com parlamentares de centro, já têm sua proposta protocolada desde o ano passado, com o apoio de dezenas de entidades da sociedade civil, para uma Reforma Tributária Justa e Solidária. Ao contrário do que defende o governo Bolsonaro, nossa proposta é a única existente até agora que aplica o conceito da justiça tributária, com a desoneração de impostos sobre os mais pobres e a classe média, e aumento da taxação sobre os mais ricos e os produtos de luxo.

Os dados são claros: estudos apontam que só com a tributação das grandes fortunas, num universo de apenas 60 mil contribuintes no país ( 0,3% da população), a receita poderia ser ampliada anualmente em R$ 292 bilhões.

Os super-ricos não podem continuar agindo como se vivessem num mundo à parte, enquanto o quadro econômico e social arruína-se, desmantelando-se ainda mais as condições frágeis de equilíbrio das relações sociais num dos três países com maior concentração de renda no mundo.

A proposta da oposição — com subsídios de estudos de entidades da sociedade civil, tais como Auditores pela Democracia, o Instituto de Justiça Fiscal, a Fenafisco e o Sindifisco — garante um sistema tributário moderno, com a promoção de justiça fiscal e social.

São limitadas as propostas de reforma tributária em debate no Congresso, seja a PEC 45/2019 (debatida inicialmente na Câmara), a PEC 110/2019 (debatida no Senado) ou a proposta enviada pelo atual governo (PL 3887/2020). A rigor, mantêm a base injusta do sistema, que pune pobres e classe média e favorece os milionários.

A proposta alternativa foi por intermédio de uma emenda substitutiva global (nº 178/19) à PEC 45/19 na Câmara e à PEC 110 no Senado. Ela viabiliza a constitucionalidade da tributação da renda e do patrimônio dos muito ricos, desonerando a classe média e os trabalhadores. Cria-se um sistema progressivo, sustentável, justo e solidário.

O governo Bolsonaro, refém de cartilhas neoliberais e dos ditames da Escola de Chicago que tanto mal fez ao Chile na ditadura do general Augusto Pinochet, limita-se a defender unificação do PIS/Cofins, a serem substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), desoneração da folha de pagamentos de empresas, criação de novo tributo para incidir sobre a economia digital, mas sequer passa perto do fulcro da questão.

É preciso haver tributações sobre a renda e lucro dos mais ricos, com alíquotas maiores do Imposto de Renda para os rendimentos mais altos e a tributação sobre dividendos e remessas de lucro para o exterior.

Os bens de luxo também não podem ficar de fora, pois se alguém compra um carro popular paga imposto, por que o milionário que adquire um jatinho ou um iate não paga? A proposta de Reforma Tributária Justa e Solidária prevê, por exemplo, a criação de um imposto sobre a propriedade de aeronaves (jatos particulares e helicópteros) e de embarcações (iates e lanchas de luxo), hoje isentas.

A reforma proposta pela oposição pode trazer fontes alternativas de recursos para compensar as perdas de receita sofrida pelos entes e financiar as medidas urgentes e necessárias para o enfrentamento da pandemia de Covid-19.

Mas seus efeitos positivos vão além. Vai criar uma base sustentável e moderna, facilitando a vida das empresas. Garante a promoção da sustentabilidade ambiental, o financiamento da saúde, a educação e a seguridade social, com um detalhe importante: sem haver aumento da carga tributária. Ao contrário, na medida em que há aumento da arrecadação em decorrência da tributação dos muito ricos, desonera-se o consumo da classe média e da população em geral.

Com essas características, a proposta oposicionista e de parlamentares de centro configura-se a base mais segura para um sistema tributário nacional justo, condição essencial para um país menos desigual.

Levando-se em conta que, no Brasil, quase 30% da renda estão na mão de 1% da população, e que as regras tributárias privilegiam os mais ricos, em prejuízo da classe média e dos pobres, um momento crítico como o atual suscita uma grande oportunidade de trazer maior justiça à distribuição de renda no país.

Artigo publicado originalmente no jornal O Globo, em 13/08/2020