21/12/2015

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Impeachment é golpe contra a democracia

Impeachment sem crime de responsabilidade cometido diretamente pelo agente político nada mais é do que golpe. Como bem ressalta o jurista Cláudio Lembo, a partir dos anos 90 os golpes militares na América Latina foram substituídos por essa nova forma político-jurídica de desrespeito à vontade popular.

Como aponta o ex-governador de São Paulo, somente até 2007, dez presidentes foram destituídos por meio de juízos políticos na América Latina. Um instrumento criado para retirar do poder agentes que cometessem crimes graves contra o Estado e a democracia acabou banalizado como uma nova arma das elites tradicionais para remover do cargo presidentes que contrariem seus interesses.

E no caso brasileiro atual a configuração golpista não poderia ser mais clara. Os autores do pedido de impeachment inicialmente basearam a ação em supostas irregularidades fiscais cometidas em 2014, apontadas em relatório do Tribunal de Contas da União, mas que ainda não foram julgadas pelo Congresso Nacional, órgão com competência exclusiva para fazê-lo.

Mas, mesmo que o Congresso convalidasse o relatório de seu órgão técnico consultivo, ainda assim não seria possível sustentar o pedido nesse fato. A Constituição é cristalina ao dizer que só pode haver impedimento do presidente da República por atos ocorridos na vigência do mandato.

Cientes disso, os autores reformularam a peça apresentada ao presidente da Câmara para incluir o argumento segundo o qual as mesmas irregularidades fiscais ocorridas em 2014 continuavam a ser praticadas no exercício de 2015, portanto, no atual mandato. Foi essa proposta que o presidente da Câmara acolheu. Com as alterações, os autores julgam poder, finalmente, enquadrar a presidente.

Contudo, com essa manobra, os argumentos pseudo-jurídicos se tornam ainda mais inconsistentes. Como seria possível cassar o mandato de uma presidenta democraticamente eleita com base em meras suposições? Se acaso Dilma Rousseff tivesse realmente cometido algum crime contra a lei orçamentária esse ano, esse fato somente poderia ser julgado no ano que vem.

Primeiramente o TCU teria de produzir um parecer que apontasse esses crimes. Depois, caberia ao Congresso aprovar ou rejeitar as contas presidenciais. Portanto, falar em cassar a presidenta com base em supostas irregularidades no mandato atual não passa de uma tentativa desesperada de uma oposição golpista que transformou 2015 no terceiro turno da disputa eleitoral de 2014.

Se não bastasse, o Congresso aprovou recentemente uma nova meta fiscal para o Governo Federal em 2015, o que afasta de vez a teoria da irregularidade na execução do orçamento.

Não se trata de uma manobra contra a presidente Dilma ou o Partido dos Trabalhadores. É muito mais grave que isso. Trata-se de um golpe contra a democracia brasileira, que vem sendo construída a duras penas nesses últimos 25 anos.

Diante de dificuldades políticas criadas e alimentadas continuamente por opositores do governo, estabeleceu-se um clima de oportunismo sem precedentes em que as elites tradicionais buscam retomar o poder pela força, já que por quatro vezes consecutivas fracassaram nessa tentativa pela via legítima do voto.

Não por acaso tantos juristas, artistas e organizações sociais respeitadas como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Ordem dos Advogados do Brasil se posicionam contra essa manobra. Nomes acima de qualquer suspeita como Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparato e Celso Antônio Bandeira de Mello são unânimes em dizer que esse pedido de impeachment não tem nenhuma consistência jurídica. E quem aderir à via do golpismo não será perdoado pela história.